Contos de gaveta: Perdão




       Baixo e com passos lentos demais para homens de sua idade, rosto arredondado e olhar profundo, misterioso; sardas em todo o corpo - característica dos habitantes da sua cidade natal. Tinha o semblante de um homem de negócios, sério, mas, ao mesmo tempo, de pai de família, brincalhão.       

       Ele trabalhava em uma empresa onde se fabricavam vinhos, muito prestigiados, por sinal. Sua vida, basicamente, resumia-se ao seu trabalho, à sua coleção de miniaturas de carros de corrida, reunidos desde que foi prestigiar uma corrida de Fórmula 1, quando criança, na qual viu o seu ídolo Alain Prost competir.       

       Dedicava-se também à sua família: Bervie, sua esposa; sua filha Katie, uma bela garota de 6 anos de idade e seu cachorro, já velho, Stew - amigo verdadeiramente fiel para o qual confidenciava todas as suas boas experiências e angústias.   

       Stew era um cão diferente dos outros de sua raça. Nunca precisou fazer bagunça na casa para chamar atenção. Era especial, pois aprendia com o seu dono a não desistir de seus objetivos, mesmo quando alguém o apontasse como o errado da história.       

       Todas as noites, ao chegar do trabalho, Adam ia até o seu escritório ler um livro recém-lançado, contendo histórias enigmáticas sobre desaparecimentos seguidos ou não de mortes nunca desvendadas: Casos Sem Respostas. Sempre deixava a porta do cômodo entreaberta, possibilitando a entrada de seu cão.        

       Era sempre a mesma coisa: ele adentrava ao local, deitava a seus pés e escutava atentamente a leitura do livro, na qual Adam a fazia, vagarosamente, em tom moderado. Todos os mistérios que estava lendo fizeram com que a capacidade intelectual de Stew fosse se desenvolvendo cada vez mais a ponto de ele "mergulhar" em cada história ali contada.       

       "Anisha, 14 anos, nascida 1902, na Polônia, vivia alegremente com a mãe e o padastro em um vilarejo próximo a uma reserva florestal. Quase entrando em casa, ao voltar do colégio, quatro dias após ter completado os 14 anos de vida, em 1916, algo chamou a atenção da garota, ao longe, na reserva. Isso a fez correr até lá, sem preocupar-se com o seu vestido de linho com bordados em volta das abas do mesmo, o qual ia rasgando-se à medida em que corria e que os galhos baixos das árvores iam interrompendo-lhe o caminho.      

       Um grito, apenas. Horas depois, a polícia local encontrou o corpo angelical de Anisha estirado ao chão, envolto de uma poça de sangue e investigou a região a fim de encontrar quem havia cometido tamanho crime, mas não obteve êxito. Tudo o que os policiais encontraram de material foi um tronco de árvore com alguns vestígios de sangue, próximo ao corpo e pegadas indo à direção norte.       

       A mãe da garota, ao dar o seu depoimento à polícia, lembra, tristemente, do seu último contato com a filha: antes de ela ir para o colégio: "Ela estava tão linda! Usava o vestido de linho que fiz para ela, sapatos pretos, uma pulseira que dei a ela no Natal passado e duas fitas amarradas no cabelo: uma de cada lado." Os policiais notaram que a menina só tinha um laço preso em seu cabelo quando encontrada. "     

       Cautelosamente, ao ler essa notícia em seu livro, Stew passou a analisar a situação, formando em sua mente uma possível explicação para a morte de Anisha, e foi apontando quem poderia tê-la matado.     

       Semanas passaram e Adam já havia acabado a leitura de Casos Sem Respostas, mas, para o seu cão, não havia acabado ali. Ele, Stew, ainda precisava se livrar do que o atormentava: a morte da jovem.      

       Com o fim do verão, Adam e sua família decidiram mudar-se para uma outra cidade não tão longe: Olawa. Assim o fizeram. Caixas e mais caixas tomaram conta da casa, ocupadas por porta-retratos, livros e tudo o que possuíam. Stew também ajudava como podia. Ele ia as empurrando até o carro. Ao levar a última caixa, Adam deixou cair na sala, despercebidamente, um envelope. Fechou a porta da casa e bateu uma mão na outra para tirar a poeira delas, suspirou e foi em direção ao carro.      

       Anos depois, a casa foi comprada por um casal de idosos. A casa precisava de uma grande reforma, pois a maior parte estrutura de madeira estava comida pelas traças. Ao chegarem à antiga sala, a senhora pisou em um papel bastante empoeirado. Ajeitou os óculos e pegou-o. Era o bilhete que Adam havia deixado cair na mudança. Desatou a fita que o fechava e leu o que tinha escrito: 
"Ela nunca me perdoaria por isso e nem ninguém. Preferiu ir morar com a sua mãe e com aquele homem que, um dia, foi meu amigo. A dor que sentiu nem pode se comparar à que sinto até hoje. 
P.s: Que este laço, aqui guardado, desgaste-se como o amor que por ela eu sentia. 


Seu pai,
Adam Sttorf."


Por: Carol Costa


0 comentários:

Postar um comentário